Por: Fernando de Campos Iloz
"Dedico esse ensaio a
minha mãe que se foi tão cedo, ao meu pai que morreu sem me conhecer, ao meu
primeiro filho que morreu em meus braços e ao meu segundo que me foi negado.
Lutem negros!"
Velhos piratas roubaram meu menino. O levaram em um navio
negreiro para um lugar que não consigo ir.
Eles dizem que somos livres para vê-lo quando quisermos, mas
não somos bons o suficiente para tê-lo com quem quiser.
Durante todos os segundos do dia busco emancipar minha mente
quando me consumo em raiva e angústia.
Seu choro é o grito surdo de todos meus antepassados
escravos e seu sorriso é o réquiem da liberdade que nos foi roubada.
Velhos piratas roubaram meu lar. Como bandeirantes, suas
convicções deturpadas separaram uma família em nome das tradições e da paranóia
pseudo burguesa.
Penso em ti, oh meu filho. Quando acordo, quando luto,
quando estou só, quando estou com muitos, quando adormeço e quando sonho.
Meu coração bate cada vez mais rápido, quando acordo tudo
que peço é que consiga ficar um pouco mais tempo vivo.
Quero ter a chance de dividir uma braçada no mar com você,
um salto de uma cachoeira, lhe ensinar a ouvir o canto da fauna e lhe dar os
olhos da flora.
Lembro quando seus grandes olhos me encaravam e como suas
mãos pequenas e fortes me protegiam.
E a cada dia longe de você é como um açoite público em um
pelourinho central. O sol é como a saudade que escalda minhas costas
ensanguentadas.
Velhos piratas invadiram meu lar. Como parasitas, justificam
sua presença em nome do assistencialismo doentio, apartativo e crapulento.
Com sua doença consumista transformaram a vida em posse e o
desejo em obediência e servidão. Manipulam a mente e os fatos para tornarem-se
escravos de si mesmos.
Velhos piratas parasitórios não têm honra. Conspiram durante
o estado moribundo de nossos genitores e agem em surdina em nosso estado de
luto e fraqueza.
Velhos piratas sociopatas e psicóticos. Como posso odiá-los?
Diariamente agradeço-os por fazerem minha alma ser cada vez mais forte e minha
mente mais determinada.
Que sejam abençoados, pois desde quando conheci suas
animosidades morféticas, minha arte, meu intelecto e minha vontade de viver
foram para um grau inimaginável.
Velhos piratas sequestraram minha vida. A ignorância sobre
meus valores espirituais e humanos foram o motivo da sentença que impuseram a
mim e ao meu descendente.
Não fiz acordos com quem usa, manipula e aterroriza seus
próprios filhos para usá-los como escudos e assim esconder suas próprias fraquezas
e covardia no leito deste navio.
E quando não consigo mais controlar a minha raiva e desejo
destruir os velhos piratas, lembro-me de todos os pretos que combateram seus
opressores com o amor.
Penso em você pobre menina. Perdida nesse céu estrelado que
um dia olhamos juntos e hoje nos foi roubado.
Chora a falta escondida. Você reverbera meus antepassados
que cultivavam seus orixás debaixo dos santos dos altares cristãos porque eram
obrigados a seguir outra crença.
Não tenha medo. Não temos culpa dos nossos piratas, não
precisamos também negá-los e afastá-los. Precisamos apenas dizer a eles que
queremos agora navegar a sós.
E sonho o dia em que possamos caminhar nesse mar que nos foi
reservado com esse filho que nada nu em uma ilhazinha bem longe da minha selva.
E não luto pela motivação da revolta que me foi implantada,
mas sim pelo amor que me foi roubado. Não há sangue em minha espada, há sonhos em
minhas mãos calejadas.
Amo você meu filho, quando me olhava com seus olhos curiosos
percebia que nada sabia sobre o significado do amor.
Essa é a lamúria dos pretos pobres condenados que resistem
com o bom sentimento e trocam a vingança e a conspiração pela razão e a verdade.
Escolhi o quilombo ao invés da cozinha diurna e da senzala
noturna. Sou um homem que nunca precisou pedir licença para ser livre.
E aqui as paredes são de angústia, as janelas de revolta, as
portas de saudades, o teto de solidão e o piso de determinação. E ainda assim
saio daqui carregando o amor.
Não há raiva, ódio e rancor em minhas veias, há um profundo
sentimento de pena. Os velhos piratas nunca ensinaram como seus semelhantes
irão viver após perecerem.
E a desgraça dos homens que se julgam terem mais direitos
que outros homens é a própria autodestruição.
A maior maldição que o mundo pode dar a quem separa as crias
dos genitores é a lembrança triste dos pais cravejada nos rostos dos filhos.
Sempre que olharem para você, verão meus lábios minha
sobrancelha, minha face, minha imponência, minha força e minha mente. Quero que
me vejam todos os dias.
Assim se lembrarão do crime que cometeram sem a minha
presença física. Os que comem jamais dormirão em paz enquanto existirem os que
não comem.
Quando sentir minha falta meu filho, se olhe no espelho.
Durante toda vida vi seu avô paterno refletido diante de mim sem saber. Não
quero isso para você.
Você é fruto do meu eu, vermelho do meu sangue, força da
minha mente e fúria da minha alma. Aguardo o dia que terás consciência.
Neste momento dará um grito tão alto que ensurdecerá todos os
parasitas. Será seu pedido de socorro, sua escolha pela liberdade e seu caminho
pela verdade.
O verdadeiro amor não é o tido a força, mas sim o que
retorna sem pedirmos. Portanto meu filho, estarei em vida ou em um túmulo
sempre pronto para seu abraço.
Despejarei nesse dia toda a revolta que sinto hoje na força
que te abraçarei e todo amor que me foi negado no calor que sentirás.
Não desejo a morte ou a desgraça dos velhos piratas. O amor
é minha arma, e quem escolhe esse caminho tem o arrependimento dos seus
agressores como vitória.
Deus da poesia e das artes, esse é o seu significado meu
filho. E é com a poesia e arte que seu pai vai libertá-lo desse covil de
piratas.